quarta-feira, 15 de abril de 2009

Entrevista com Rodrigo Leão do Nois na Tira

Olá amigos.
Já falei aqui no MTbox sobre o Nois na Tira que é um site de tirinhas muito legal, onde todo seu conteúdo é produzido com softwares open source. A mente criativa que está por trás dessas tirinhas é um cara talentoso chamado Rodrigo Leão.
Muitas pessoas vieram até mim e disseram que gostaram bastante das tirinhas. Então, decidi fazer uma entrevista com Rodrigo Leão para saciar a curiosidade.
Quero agradecer novamente ao Rodrigo pela gentileza em responder as minhas perguntas. Espero que suas tirinhas sejam cada vez mais valorizadas para que possamos ver mais trabalhos de qualidade produzidos com ferramentas open source.

Ricardo Maciel: Como surgiu a idéia do Nois na Tira? E por que esse nome?

Rodrigo Leão: Escolher títulos para qualquer coisa sempre foi uma dificuldade pra mim. No caso do meu espaço na web eu tentei criar uma associação com a expressão (comumente usada nas periferias) “Nóis na Fita”. Ao que parece, muitos não entendem muito bem essa associação. Como disse: não sou bom com títulos.

Ricardo Maciel: Suas tirinhas são repletas de críticas a hipocrisia da sociedade. Fale um pouco mais a respeito da sua vontade de “mudar o mundo por meio da arte sequencial”.

Rodrigo Leão: Não é que eu queira fazer um tiras “engajadas” ou algo semelhante. Apenas acredito que a ficação é uma excelentes formas de metaforização. Você pode tratar de algo utilizando recursos que, a princípio, podem não ser relacionados com esse “algo”. No caso dos quadrinhos, a possibilidade da imagem associada ao texto é que me leva a construir as tiras sempre com um fundamento em nossa sociedade, em nossa cultura. De uma forma ou de outra, é isso que todos os autores de tiras fazem, alguns de forma mais aberta, outros menos. No meu caso, acho que você nunca sai o mesmo de uma leitura, por pior que ela seja, e faço minhas tiras sempre pensando nisso.

Ricardo Maciel: Hoje em dia, qual a sua principal atividade?

Rodrigo Leão: Atualmente eu curso o mestrado em Literatura e Cultura pela Universidade Federal da Paraíba, desenvolvendo um projeto sobre o Romance D'A Pedra do Reino (de Ariano Suassuna, meu conterrâneo). Mas fora isso, também trabalho com algumas ilustrações e design.

Ricardo Maciel: Como você descobriu as ferramentas open source que usa hoje?

Rodrigo Leão: Eu já conhecia o Linux, mas nunca tinha ousado utilizar. Pra mim ele sempre foi um bicho-de-sete-cabeças. Achava que o Windows era a última palavra em tecnologia de software e estava mais ou menos satisfeito com o sistema. Foi então que, por volta de meados de 2006, eu (que costumo deixar a tv ligada enquanto estudo ou trabalho na madrugada) vi uns caras falando sobre software-livre no programa do Jô. Apesar de todo preconceito do entrevistador, eu gostei da ideia pregada pelos entrevistados e resolvi buscar maiores informações. Ao contrário de muitos, eu resolvi migrar de vez e mergulhei fundo na utilização do Linux. Pesquisei e cheguei às principais distribuições. Testei várias e o Ubuntu foi a que melhor me satisfez e continua satisfazendo até hoje, assim como a maioria dos aplicativos que vêm integrados a ele e outros que instalo por fora. Só após a utilização do Linux por longo período é que percebi o quanto é bom fazer o computador funcionar da maneira que eu quero.

Ricardo Maciel: Que mudanças a utilização de softwares open source trouxeram em seus trabalhos? Houve alguma dificuldade em migrar do Windows para o Linux?

Rodrigo Leão: Acho que a maior mudança trazida pelos softwares de código aberto, seja nos meus trabalhos gráficos ou acadêmicos, foi a melhoria da qualidade e da produtividade. As ferramentas livres possuem uma série de funções que, se bem exploradas, ajudam em muito qualquer tipo de trabalho. Sinceramente, não sinto falta das ferramentas proprietárias, pelo contrário: a última vez que forçadamente utilizei uma, me senti muito “amarrado”. Quanto à dificuldade, como em qualquer adaptação, o processo foi um tanto quanto penoso. Como a maioria dos usuários de computador, eu estava muito acostumado com todos os padrões perpetuados pelas ferramentas proprietárias, em especial o Windows. Lidar com uma nova forma de gerenciamento de disco, de organização de diretórios, de gerenciamento de aplicativos, foi estranho a princípio (e meu gerou boas dores de cabeça), mas no fim, sei que foi produtivo: hoje posso dizer, tenho uma máquina que dificilmente (muito dificilmente mesmo) me deixará na mão, e se deixar, eu saberei como contornar o problema.

Ricardo Maciel: Por que você optou por distribuir suas tirinhas pela licença Creative Commons?

Rodrigo Leão: O primeiro grande motivo por qual busquei a Creative Commons foi a necessidade de “proteção” do meu trabalho e de minha autoria. Publicar na internet sempre é um ato de heroísmo, já que ao publicar seu trabalho na rede você não terá nunca mais controle sobre os locais nos quais ele estará. Depois, um outro motivo importante, foi a necessidade de compartilhar aquilo que produzo. A necessidade de colocar minhas tirinhas na internet não foi pra ganhar dinheiro, e sim pra mostrar para as pessoas aquilo que produzo, num movimento de vaidade comum à todo autor (seja de tiras ou do que for). A princípio, quando o blog ainda era pequeno e mantido em um serviço gratuito (o Blogger), eu usava uma versão mais restritiva da Creative Commons, permitindo apenas a distribuição, isso porque eu tinha um certo “medo” do que as pessoas poderiam fazer com meus personagens. Hoje me sinto muito mais tranquilo em relação a isso e já permito também a criação de obras derivadas e sei que isso não irá “degenerar” a minha obra, mas irá permitir que pessoas possam criar mais e mais a partir do que eu criei, isso pra mim já é uma honra. Meu ponto de vista é que qualquer tipo de arte (erudita ou pop) não deve ser restrita por “direitos autorais”. Isso já é algo muito tranquilo nas artes plásticas, já que cópias e “remakes” são feitos de pinturas famosas sem que isso cause transtornos para quem está produzindo essa derivação. As outras áreas da arte (e também do entretenimento, como no caso das tirinhas) precisam amadurecer e compreender isso.

Ricardo Maciel: Qual a sua opinião do mercado de quadrinhos no Brasil? Dá pra ganhar um trocado?

Rodrigo Leão: Ganhar um trocado sempre dá, afinal temos ótimos profissionais que vivem disso no país, basta ver os casos muito bem sucedidos de Maurício de Souza, dos excelentes irmãos Gabriel Bá e Fábio Moon ou até do André Dahmer, a quem a internet permitiu o reconhecimento e ascensão. Entretanto, esse é um privilégio de poucos. Conquistar um espaço no mercado é trabalhoso e a maioria dos autores ganham dinheiro não com a venda de revistas em bancas, mas de livros de quadrinhos nas livrarias ou com a comercialização de produtos licenciados (como camisetas, cadernos, chaveiros). No meu caso em específico, ainda não sei o que é ganhar dinheiro pra produzir quadrinhos – continuo fazendo por diversão e vaidade.

Ricardo Maciel: Quais são seu planos para o futuro do Nois na Tira? Você pensa em produzir revista em quadrinhos?

Rodrigo Leão: Comecei o Nóis na Tira meio que sem grandes pretensões, apenas com o intuito de mostrar o meu trabalho. Hoje, com o aumento significativo de visitas, com os constantes elogios e com o cada vez maior reconhecimento na web, quero que esse meu projeto progrida cada vez mais. Um passo importante eu já consegui: sair da precariedade das hospedagens gratuitas e migrar para um servidor pago que gentilmente topou me patrocinar. Pra um futuro (não sei se próximo ou distante) penso em lucrar de alguma forma com minha produção, talvez vendendo algumas camisetas, canecas ou até mesmo livros com compilações de tirinhas ou com tiras feitas especialmente para a venda nas livrarias. A produção de uma revista em quadrinhos também é algo que pretendo, afinal, comecei fazendo isso, quando ainda era moleque. Mas a produção de uma revista sempre é algo mais trabalhoso, requer maior planejamento, roteiro, verificação desse roteiro... enfim, algo que só será feito quando surgir um tempo maior ou quando eu achar que é o momento certo.

Ricardo Maciel: Qual a tirinha que você mais gosta? E por que ela é especial?

Rodrigo Leão: Na verdade eu não gosto de uma tirinha em especial, até mesmo porque já fiz tantas que poderia trair minha própria opinião ao apontar uma tirinha como a que mais gosto, quando há outras melhores que não me recordo. Contudo, se pensarmos em séries e seus personagens, há uma que gosto bastante: Fundo de Mar. Gosto dessa série principalmente pela sua capacidade de metaforizar. Posso falar de assuntos extremamente complexos para a sociedade humana de uma forma leve, bem humorada e sem tratar desse assunto diretamente. O personagem principal, por exemplo, é um peixe que não gosta de ser reconhecido enquanto tal, um extremo do preconceito.

Ricardo Maciel: Quais dicas você daria para artistas que estão começando a produzir quadrinhos? Qual é o melhor caminho a seguir?

Rodrigo Leão: Quando se trata de trabalhar com a criatividade, duas coisas são fundamentais: fidelidade a si mesmo, não desistindo de fazer algo que gosta só pra agradar o público; e aprimoramento de suas técnicas. Este último em especial não pode de forma alguma ser esquecido um dia sequer. Buscar novas ferramentas, novas técnicas, novas concepções é sempre muito produtivo. Considero a observação desses dois fatores porque só com o tempo vim me dar conta da importância de ambos. No último em especial, agradeço muito ao software-livre, que me fez passar dos desenhos “toscos”, em preto e branco e sem acabamento, para as tirinhas com cores, sombras e quadros que publico hoje.

Um comentário:

  1. Conforme o Rodrigo, um grande empurrão para p seu trabalho foi ganho em produtividade proporcionado por ferramentas open...

    Ter unicamente talento não é garantia de sucesso no "dia-a-dia digital" em que vivemos!

    Parabéns Rodrigo pelo grande talento e criatividade.

    Ricardo, foi muito esclarecedor o post... completíssimo! Quando teremos outra entrevista? ;-)

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